Cidarta
Enock Sacramento
crítico de arte

"Do lugar onde estou já fui embora". Este verso do poeta mato-grossense Manoel de Barros traz à mente o poema "Pobre Velha Música", de Fernando Pessoa em que este recorda um ouvir antigo que transpõe para o presente uma felicidade revivida. Nesse clima intelectual e emotivo cabe também o ideário de Sidarta, de Herman Hesse, e a pintura de Tania Nitrini. Nele habitam e desenvolvem-se as idéias do ser e do estar, do não ser e do não estar, de cuja polaridade pode resultar luz.

Tania Nitrini nasceu no sertão nordestino. Residiu em criança em Alexandria e José da Penha e, quando adolescente, em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois de estudar medicina em Fortaleza e mudar-se para São Paulo, onde se especializou em Saúde Pública e trabalhou como médica sanitarista, optou pelas artes visuais, um velho sonho nascido da vivência com o colorido artesanato de sua região de origem. De suas lembranças nunca se apartaram as imagens coloridas das bonecas de pano de sua terra, das colchas de retalhos, dos bordados, dos santos e oratórios. "Essa paixão pelas cores me levou à pintura", afirma a artista, que hoje trabalha em ateliê próprio no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Nas artes visuais, Tania percorreu alguns caminhos, veredas e atalhos. Durante um tempo, recriou figuras humanas, introvertidas, extrovertidas, enigmáticas, tensas, descontraídas, com cores fortes, expressionistas, que remetem a vários estados do ser. Foi talvez uma forma de ir adiante no conhecimento do ser humano, que ela estudou sistematicamente na universidade.

Há cerca de três anos, Tania iniciou uma série de pinturas cujo fulcro não é propriamente o homem, mas o seu entorno, a cidade que ele construiu e habita. Entre elas, metrópoles, como São Paulo, que têm um ritmo vertiginoso e uma complexidade estonteante. Nelas Tania Nitrini flagrou a imagem vigorosa de estruturas metálicas e de cimento armado, a nervosa circulação de veículos, seus movimentos, passagens e fluxos. Esta fase, incluída em parte dessa exposição, é caracterizada pelo uso de formas poderosas e entrelaçadas, e por uma profusão de cores, a maioria chapadas. Elas lembram as grandes galerias comerciais da cidade, o sistema viário com seus cruzamentos e faróis, ruas, avenidas e viadutos.

As últimas pinturas de Tania Nitrini, todavia, parecem sinalizar uma nova direção em seu trabalho. Sem perder o energia da fase anterior, o olhar da artista aproxima-se não raro de elementos da paisagem urbana, recriando janelas, tijolos e outros. As formas se diluem, as cores amadurecem. Tania parte do real para construir sua obra que, em última instância, é uma outra realidade. Nela, um cruzamento de ruas é e não é um cruzamento de ruas. O ciclista pedalando está e não está pedalando. Porque, em sua tela, ambos são obra de arte. É nesta ausência de certezas e precisões que reside o encanto da pintura de Tania Nitrini; nela se materializa a sua poética. Para chegar até aqui, Tania percorreu vários caminhos, esteve em muitos lugares. Refletindo sobre isso, Johh Lennon concluiu um dia que esteve em muitos lugares, mas só se encontrou em si mesmo."

Enock Sacramento
crítico de arte
Membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte



TEXTOS:

"Diálogo colorido" - Luiz Fernando Câmara Vitral

"Sobre minha pintura" - Tania Nitrini

"A Cidade" - Ivone Bengochea